sábado, 27 de fevereiro de 2010

Ela e Ele

Mais de uma vez ela quis parar um desconhecido na rua e pedir que ele a beliscasse. as coisas iam tão bem que ela temia ser um sonho, ou temia que de uma hora pra outra tudo de transformasse num terrível pesadelo.

Ela só não dizia que as coisas estavam perfeitas porque enquanto ela morava na cidade, ele passava os dias de trabalho encerrado numa cidade do interior com cara de Western Spaghetti.

Mas nos fins de semana era perfeito, enquanto ela enchia seu pão com bastante requeijão, para ele era suficiente sujar o pão com um pouquinho de requeijão. Ela fazia o mate todas as sextas com medo de que as três jarras não fossem suficientes para a sede dele.

Os amigos dela sempre perguntavam por ele, e quando ele estava na cidade sempre o convidavam para todo tipo de programa, mas o que ela sempre queria era ficar sozinha com ele o máximo possível.

Durante a semana, as várias músicas que a faziam lembrar dele, serviam para que ela o sentisse mais perto. Mas o que ela queria mesmo era poder participar da rotina dele, estar lá todas as manhãs para dar Bom Dia!, saber que ele pegou aquele resfriado porque voltou do trabalho com as roupas molhadas por causa da chuva que não parou de cair um segundo, poder contar para ele todos os dias como foi seu dia, enquanto ela tira a roupa para entrar no chuveiro...

Era assim, ela passava a semana sonhando e rezando para não estar sonhando.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

"Sister, you've been on my mind"

O que seria de mim sem as folhas que caem das árvores? Porque meu esporte favorito é pisar em folhas secas, adoro ouvir aquele barulinho que elas fazem, sem falar na sensação gostosa nos pés, e isso vem de antes de eu conhecer aquela música que a Elis canta: "quando eu piso em folhas secas..."



Porque desde muito nova eu fui instruída, por mais alguém além da minha mãe, a ouvir músicas de qualidade. Aos 5 anos ouvia Tom Jobim, essa é minha primeira lembrança. Aos 6 anos de idade a música que eu mais gostava de ouvir era: "Você precisa saber da piscina, da margarina, da Carolina, da gasolina...". Aos 7 fiquei apaixonada por Milton Nascimento, ouvia sem parar uma música tal que hoje faço força pra me lembrar mas não me vem à cabeça. Aos 9 , acredito eu, achei no meio dos LP's da minha mãe o disco "Construção" de Chico Buarque, "Cotidiano" e "Samba de Orly" não saiam da minha cabeça. Mais tarde, numa aula de português, a professora daria a letra de "Construção" para exemplo de não me lembro o que e eu fingiria não conhecer para não assustar os meus coleguinhas. Aos 10 anos, acho que resolvi me rebelar e comecei a ouvir coisas estrangeiras, ouvia Guns and Roses e Tori Amos. E aprendi a ouvir Jazz. Enquanto meus amigos viam Chaves e Carrosel na TV, eu passava as horas livres tentando decorar as letras das músicas em inglês.

Enquanto Cirilo fazia de tudo para ser notado por Maria Joaquina, eu fazia de tudo para entender por que quando eu vi "A Cor Púrpura" de Steven Spielberg, a trilha sonora não saia da minha cabeça, e eu e minha mãe ficamos chorando no sofá. Só anos depois consegui baixar a trilha pela internet e chorei, chorei, chorei...




Tudo isso pra dizer que eu gosto mesmo é de pisar em folhas secas, e que minha escola é a Vila Isabel!

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Das amarras que ela não tem mais

Sugeriu que seu pai tomasse um chá de camomila, sentou-se pacientemente ao lado da mãe para ouvir seus conselhos diários. Mas hoje era diferente, ela estava saindo sem saber quando voltaria, estava indo morar em outro Estado. Não que a vida a tenha mandado para lá, ela mesmo se encarregou disso. Precisava de outros ares. Por quê? Porque ela queria, simplesmente isso.

Prometeu para a mãe que ligaria todos os dias antes do Jornal Nacional, que era a hora em que chegaria do trabalho. Trabalho esse que ela não sabia como seria, mas estava disposta a estar disposta. Dos amigos, não deixaria nenhum, levaria todos no coração, e lá, na cidade que seria sua, esperava conhecer novas pessoas, travar novas amizades. Não sabia bem porque, mas estava confiante. Deixar a casa dos pais, mudar para um lugar onde não conhecia ninguém, tudo isso deixava sua cabeça a mil por hora. O futuro era incerto, mas ela estava decidida a encará-lo de frente, como uma criança que se joga pela primeira vez na água.

Pegou sua mala, deu uma última olhada em seu quarto. Clichê de filme, ela pensou. Mas e daí? Era exatamente assim que ela se sentia, dentro de um daqueles filmes do Woody Allen que começam com um jazz com som sujo de vitrola antiga. Sabia que estaria longe e que seria difícil ouvir aquele som que só tocava ali dentro. Fechou a porta decidida a não olhar para trás, estava deixando a casa de seus pais pela primeira vez. Todas as decisões agora seriam só dela. O som que ouviria agora era algo ainda a ser inventado. Novidades, era tudo o que ela sabia.

O pai mudo, a mãe tentando esconder a tristeza de ficar longe dela. Isso era tudo o que ela via. Já no aeroporto ela pensou: 45 minutos que dividirão o que fui do que serei. E assim ela partiu, deixando aquele som agridoce de casa dos pais, se aproximando a cada minuto do que seria ela afinal.

*Este texto foi escrito
no celular, numa tarde ensolarada no Rio de Janeiro, dentro de um ônibus lotado.